Sob a alegação de que a pandemia da Covid-19 lhe deixou em situação financeira crítica, o que caracterizaria motivo de força maior, uma empresa de coletivos urbanos de Poços de Caldas-MG dispensou um empregado e lhe pagou, como multa rescisória, apenas 20% dos depósitos do FGTS existentes na conta vinculada do trabalhador, quando o percentual legal previsto é de 40%.
Inconformado, o ex-empregado procurou a Justiça do Trabalho, pretendendo o recebimento da diferença da multa rescisória. O caso foi decidido pelo juiz Luciano José de Oliveira, em sua atuação na 1ª Vara do Trabalho de Poços de Caldas, que acolheu a pretensão do trabalhador. O magistrado afastou a configuração da força maior sustentada pela empresa como justificativa para a dispensa do empregado com o pagamento apenas da metade da multa do FGTS.
“Ressalto que o artigo 18, parágrafo 2º, da Lei nº 8.036/90 não pode ser aplicado de forma isolada, mas sim integrado aos princípios que regem o instituto da força maior dentro das regras do Direito do Trabalho previstas na CLT, bem como ao artigo 2º da CLT, que define que cabem ao empregador os riscos da atividade econômica”, registrou o magistrado na sentença.
Entenda o caso
A dispensa do trabalhador ocorreu em julho de 2020, em plena pandemia da Covid-19. A empresa sustentou a tese de que o contrato foi rescindido por motivo de força maior.
Disse que não conta com nenhum tipo de subsídio do município no contrato de concessão do transporte público coletivo, mantendo-se apenas com a tarifa paga pelos usuários, e que, em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus e dos decretos municipais editados para o enfrentamento da calamidade, houve restrições de utilização de número de assentos e de horários de operação, com o declínio do número de passageiros transportados, especialmente os pagantes, o que causou queda expressiva nas receitas.
Sustentou que, além da queda de receitas, houve aumento das despesas, tendo em vista a redução do número de passageiros por veículo e o implemento de medidas de redução de riscos.
Informou que notificou extrajudicialmente o prefeito municipal de Poços de Caldas, explicando a situação de colapso no sistema de transporte público e requerendo outorga para aumento tarifário emergencial e a concessão de subsídio, o que foi negado.
Argumentou que não teve alternativa a não ser demitir um terço de seus empregados, sustentando a caracterização de força maior, nos termos do artigo 501 da CLT e do artigo 1º da MP 927/20, vigente na época, razão pela qual efetuou o pagamento da multa do FGTS, reduzida à metade, conforme artigo 502 da CLT combinado com o artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.
A Medida Provisória (MP) nº 927, de 22 de março de 2020 (cuja vigência expirou sem que fosse convertida em lei), dispôs sobre “alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)”. Como pontuou o juiz na sentença, o artigo 1º, parágrafo único, da MP trata da hipótese de força maior e remete expressamente ao artigo 501 da CLT.
Ocorre que, para o magistrado, apesar dos argumentos da empresa e dos termos da Medida Provisória, é descabida a pretensão de redução do valor da multa do FGTS, tendo em vista que não houve prova da extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos, em virtude da pandemia, tratando-se de exigências previstas no artigo 502 da CLT para a caracterização da força maior.
“Com efeito, a força maior que enseja a dissolução do contrato de trabalho é aquela que realmente torna impossível, de forma absoluta (e não apenas onerosa), a continuidade do vínculo empregatício, não sendo essa a hipótese dos autos”, destacou o juiz.
Segundo frisou o magistrado, as alegações da empresa são no sentido de ter havido uma diminuição das atividades, e não seu encerramento, tanto que, com a dispensa de um terço dos seus empregados, dois terços certamente continuam em atividade. “Ressalto que o artigo 18, parágrafo 2º, da Lei nº 8.036/1990 não pode ser aplicado de forma isolada, mas sim integrado aos princípios que regem o instituto da força maior dentro das regras do Direito do Trabalho previstas na CLT, bem como ao artigo 2º da CLT, que define que cabem ao empregador os riscos da atividade econômica”, pontuou na sentença.
A empresa foi condenada a pagar ao ex-empregado a diferença da multa sobre os depósitos do FGTS, que é devida no percentual de 40% sobre o montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada do empregado. Houve recurso, mas a decisão foi mantida pelos julgadores da Oitava Turma do TRT-MG. O processo foi enviado ao TST para análise do recurso de revista.